Final de semana que passou estive na bela cidade de Antonina e tive o prazer de conhecer o Herick Tagliatella, uma pessoa daquelas que olhamos e temos a certeza que conseguirá alcançar todos seus sonhos, tamanha a vontade e dedicação com que encara o que faz. O Herick trabalha na cozinha do hotel que sempre fico na cidade, o Camboa Antonina. Na ocasião, ele estava trabalhando em um evento por lá e tive a felicidade de acompanhar um pouco de seu trabalho e saber um pouco de sua história.

As duas receitas que ilustram o OBA Gastronomia de hoje são de autoria do Herick. As duas utilizam a ricota como ingrediente principal. Em uma delas, ela aparece acompanhada de abobrinha e chips de salame, formando uma entrada simples e deliciosa. A outra, um nhoque de ricota, foi preparada para pessoas com restrição a glúten. Podem apostar que as duas ficam deliciosas. Eu sou testemunha. Não deixem de ler um pouco sobre a trajetória do Herick no mundo da cozinha. É um exemplo a ser seguido por quem quer se aventurar nesta trilha.

Antonina 1

NHOQUE DE RICOTA SEM GLÚTEN

250 grs de ricota

1 ovo

2 colheres de sopa de  amido de milho ou similar (que não contenha glúten)

Sal a gosto

Uma colher de sobremesa de azeite de oliva.

Modo de fazer:

Amasse todos os ingredientes até ter uma consistência para modelar os nhoques, se for necessário acrescentar mais amido para dar o ponto, não deve ficar seco.

Modelar os nhoques (eu faço quadradinhos modelados com as mãos e amasso ligeiramente com um garfo).

Cozinhar em água salgada fervendo até que suba à superfície e reservar em local aquecido.

Servir com o molho da sua preferencia.

Na foto usei molho branco enriquecido com cebola, cravo da índia e louro e molho bolonhês tradicional.

Antonina

ENTRADA DE RICOTA, ABOBRINHA E CHIPS DE SALAME

50 grs de ricota

Sal e pimenta do reino a gosto

1 abobrinha  pequena  cortada em lâminas finas

1 fatia fina de salame

1 porção de tomate seco hidratado

Azeite de oliva (tenho uma garrafa onde deixo o azeite descansar com gengibre, manjericão, alho e cebola roxa)

Folhas de manjericão roxo e orégano fresco

Modo de fazer:

Amasse a ricota com o sal e modele uma bolinha, reserve.

Passe rapidamente as lâminas de abobrinha por água salgada fervendo e interrompa o cozimento colocando-as em água gelada (deve ficar “al dente”), reserve.

Ponha a fatia de salame sobre uma folha de papel, leve ao forno quente até que seque e fique crocante. Pode ser no forno microondas, bastam dois ou três minutos. É necessário observar para que não queime, depende muito da potência do forno e da espessura da fatia. Reserve.

Monte o prato fazendo um ninho com as abobrinhas, coloque em cima a bolinha de ricota, a fatia de salame, o tomate seco.

Tempere com um fio de azeite de oliva e decore com as folhas.

Eu e Herick Tagliatella
Eu e Herick Tagliatella

Conheçam um pouco da história do Herick Tagliatella.

Qual a motivação inicial para a escolha da profissão de Chef de Cozinha?

Desde criança me senti atraído pela cozinha, mas comecei atuar profissionalmente a somente três anos atrás.

Tive muitos problemas de saúde até os dez anos de idade o que me fez passar muitas horas no meu quarto, minha principal atividade era ler. Divertia-me muito com a leitura e tinha especial interesse pelos livros de receita da minha mãe. Aos poucos fui adquirindo o gosto por tudo o que era relacionado à cozinha, através dos exemplos de boas cozinheiras que tinha na minha família e tudo o que encontrava nos livros.  

Existiu um fato crucial que definiu minha paixão pelo ato de cozinhar. Nos inícios dos anos noventa (eu tinha dezoito anos) nossa família recebeu a notícia que minha mãe sofria de uma doença terminal. Aos poucos o tratamento limitou enormemente a sua dieta. Encarei como um desafio o esforço de encontrar alimentos que fossem compatíveis com a sua situação, mas que também fossem atrativos e saborosos. Ela adorava comer e para mim era o gesto mais valoroso que podia oferecer. Existe um estágio da doença em que as palavras de apoio parecem não servir, mas os atos significam muito. 

Depois da morte da minha mãe a “aventura” continuou com meu pai que ficou muito triste. A única coisa que eu podia fazer para anima-lo era cozinhar as coisas que ele gostava, mas este já é outro capitulo de uma longa história.

Pode contar alguma coisa sobre a tua trajetória como cozinheiro?

Morei muito tempo na Argentina fazendo trabalho voluntário em uma instituição religiosa. Trabalhava na manutenção da comunidade onde vivia, fiz trabalhos muito variados: pintura, artesanato, jardinagem e também ajudava no refeitório da casa de retiro que a comunidade mantém para hospedar as pessoas que nos visitavam todos os fins de semana. Dedicava-me principalmente as saladas e à sobremesa.

Em uma ocasião o cozinheiro precisou se ausentar por quinze dias e o administrador do refeitório me perguntou se poderia substitui-lo. Acabei ficando dois anos na função trabalhando junto com um novo chef de cozinha vindo do norte da Argentina. Aprendi muito e tive a oportunidades de estudar numa escola de cozinha da região.

Voltei para o brasil a dois anos atrás e a seis meses trabalho no Camboa hotel de Antonina como ajudante de cozinha.

Quais sentimentos são despertados no ato de cozinhar? 

Insisto em focar no sentimento de carinho pelas pessoas que vão provar do meu trabalho e pelos meus colegas de trabalho (nem sempre consigo, mas faço o melhor que posso…)

Trabalho constantemente na superação dos meus próprios limites, principalmente nos momentos de stress típicos da profissão.

Mas que a perfeição do prato, minha procura está no “detalhe” que possa surpreender e que convide as pessoas desfrutar ao máximo. 

O ato de criação também é maravilhoso, mas só tem valor quando é participativo. Sei que nisso posso melhorar sempre. Meu objetivo final é a satisfação, a saúde e principalmente a alegria de quem vai comer. Acredito que a cozinha pode ser um ambiente onde existe harmonia e cooperação.

Como as relações interpessoais influenciam no preparo dos alimentos? 

Tudo é relação: com os clientes, com os colegas, os fornecedores… aprendo muito de cada pessoa que encontro mesmo que não seja da minha área. Às vezes tenho boas ideias escutando discretamente os segredos gastronômicos nos corredores dos supermercados. Nunca duvido em pedir um conselho (principalmente para os mais velhos, eles sabem muito e se viveram tanto é porque aprenderam a comer bem).

Quando conheço uma pessoa é muito comum que encontre a forma de descobrir o que ela gosta de comer, gosto de surpreender com algo bem pessoal. É uma forma simples de demostrar minha estima. 

De que maneira, as suas experiências, memórias e vivências afetivas influenciam na elaboração do cardápio?

Minha comida conta a minha história. Sou Brasileiro e caiçara com orgulho, filho de pai com origem Italiana e mãe indígena e fui criado na base da polenta e cozido de bagre. Reconheço o valor dos conhecimentos ancestrais e honro as minhas raízes, mas tive o privilégio de conviver fraternalmente com pessoas de vários países, diferentes culturas, credos e condições sociais. 

Para mim cada preparação nasce de uma lembrança, são pequenas história de amor que tem rosto, nome e sobrenome. Tudo isso me fez entender a importância de uma gastronomia simples e bem cuidada, coerente com o meio social e comprometida com a ecologia. 

Conte alguma experiência culinária, que despertou no outro (cliente ou qualquer pessoa que tenha degustado a preparação), uma reação afetiva. 

Teria muitas histórias para contar, mas tem uma que eu gosto particularmente porque é de uma época que eu nem sonhava em ser cozinheiro:

Uma vez preparei um doce típico motivado por um amigo alemão para uma festa de aniversário intercultural onde havia outros pratos muito bons. No fim da festa percebemos que a nossa torta tinha ficado intacta. Estudávamos em uma escola internacional (uma espécie de centro de intercambio) e meu amigo alemão ficou bem desapontado em ver que sua sugestão não tinha agradado. 

Alguém, no entanto, distribuiu o que tinha sobrado da festa para os professores. 

No dia seguinte, o diretor da escola (que não foi na festa por motivos de trabalho) me encontrou em um corredor e perguntou se podia me dar um abraço. Muito emocionado me explicou que o doce havia chegado à sua casa e fez com que ele se lembrasse da infância, era justamente o que a sua mãe fazia para a ceia de natal. O único que comiam no ano porque a sua família era muito pobre…

Por muito tempo permaneci com a “alma adocicada” como aquele pão de amêndoas e mel.

Nunca saberei onde pode chegar um gesto de amor, mas sei que com essa atitude as preparações mais simples podem se tornar extraordinárias. Basta um pouco de coragem para ousar a sair do obvio e uma boa pitada de carinho. 

Orlando Baumel

Chef de Cozinha, músico e sócio do site junto com a Carol. Casado, pai de 3 lindas garotas.

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